A evolução da União Europeia.<br>Estádio do processo<br>de integração capitalista

Ângelo Alves (Membro da Comissão Política
do Comité Central)

Os povos do continente europeu vivem um período de grande instabilidade, de profunda crise social e económica e de retrocesso democrático e civilizacional.

Páginas negras da História, como a guerra e o fascismo, surgem novamente no horizonte. Conquistas sociais são atacadas abertamente. Vários estados estão mergulhados em processos de destruição dos seus tecidos produtivos ou a braços com níveis de endividamento insuportáveis. A instabilidade do sistema financeiro ameaça com novos episódios de crise. Os direitos democráticos e de soberania são postos em causa. A extrema-direita ganha terreno em variados países e os mais básicos direitos humanos são espezinhados e negados às vítimas da maior crise humanitária de que há memória desde a Segunda Guerra Mundial.

Esta situação não caiu do céu. As suas causas são bem concretas. Têm ideologia e responsáveis. Uma das principais é o processo de integração capitalista na Europa e a sua actual estrutura – a União Europeia.

Abertamente em confronto com os direitos, interesses e aspirações dos povos, a União Europeia confirma-se como um espaço de domínio dos grandes monopólios e transnacionais europeias e de concentração de poder nas principais potências capitalistas da Europa – especialmente da Alemanha e França. É um processo de domínio imperialista contra o qual sempre lutamos e continuaremos a lutar.

Na Europa o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo ditou um ainda maior aprofundamento dos principais pilares da União Europeia – o neoliberalismo, o militarismo e o federalismo. Intensificou-se ainda mais o grau de exploração do trabalho e de concentração e centralização de capital. A ele corresponde, no plano político, uma maior centralização, opacidade do poder supranacional; a imposição de relações de domínio de recorte colonial; uma maior deriva securitária, antidemocrática e anticomunista; e uma acentuação do carácter militarista e agressivo da UE enquanto pilar europeu da NATO.

O euro revelou ainda com mais clareza a quem serve e para que serve. A sua existência é um dos principais factores da crise económica, financeira e social.

Constitui um verdadeiro colete de forças, um real impedimento ao desenvolvimento económico e social. Os mentirosos discursos da «convergência» e da «coesão» estão estilhaçados. O que resta dos cantos de sereia do euro são assimetrias, desigualdades, retrocesso económico, desemprego, pobreza, e, claro... as chantagens e imposições de Bruxelas e Berlim que – sublinhe-se – não deixaram de existir com o desfecho da novela das sanções.

Contrariamente ao que outros afirmam, não vale a pena jogar as regras da União Europeia. Bem pelo contrário. A situação na Grécia demonstra que é uma ilusão, ou uma mentira, afirmar-se que se pode desenvolver uma política progressista de defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo aceitando simultaneamente os constrangimentos da União Europeia e em particular do euro. Isso é impossibilidade. O embate é inevitável. E nesse embate o PCP não tem dúvidas. As manobras e chantagens de que acabámos de ser alvo, as imposições que violentam a soberania e independência de Portugal, só deixarão de existir quando este País se libertar dos vários constrangimentos e limitações da União Europeia, começando por se livrar do euro.

Uma grande mentira

A uma maior ofensiva da União Europeia correspondeu o aumento das suas insanáveis contradições. Mesmo para eles, para os do consenso de Bruxelas – direita e social-democracia – os problemas estão longe de estar resolvidos ou de ter uma perspectiva de resolução. O que marca a actualidade é a instabilidade dos pilares da União Europeia e a possibilidade de uma reconfiguração, ou mesmo desintegração, já não «apenas» da Zona Euro mas da própria União Europeia.

As contradições e confrontos na União Europeia confluem na crise do processo de integração que é, em si mesma, expressão da crise estrutural do capitalismo. Ou seja, uma crise na e da União Europeia.

É neste quadro que se deve ler importantes acontecimentos como o referendo no Reino Unido, um profundo abalo nas teorias da irreversibilidade da União Europeia, uma importante expressão de descontentamento popular que está longe das simplistas leituras do nacionalismo e da xenofobia. Aos nossos camaradas britânicos que lutam por uma saída progressista e de esquerda, aqui deixamos a nossa solidariedade!

O grande capital e as famílias políticas responsáveis pelo processo de integração capitalista tentam agora contornar a crise ensaiando novas fugas em frente. Aí estão eles instrumentalizando os problemas e perigos que eles próprios criaram. Afirmam agora que é preciso unir, democratizar e refundar a União Europeia que sempre defenderam e defendem.

Para tal lançam o discurso do regresso aos ditos valores fundadores e afirmam que se tem de «salvar a Europa».

Mas esses tais «valores fundadores» são uma matriz política e ideológica claramente definida – capitalista. É por isso que falar de democratização ou refundação da União Europeia é uma enorme hipocrisia, uma grande mentira, para onde confluem direita, social-democracia e alguma chamada «esquerda europeísta».

A todos eles afirmamos: a União Europeia defende interesses de classe que são inconciliáveis com os interesses dos trabalhadores e dos povos.

E essa é a razão de fundo pela qual não é reformável.

Já quanto a salvar a Europa… nisso sim, os comunistas estão empenhados. Salvar a Europa significa salvar os seus povos do desemprego, da pobreza, da corrupção, da guerra, do terrorismo, do racismo, da xenofobia, dos ataques à liberdade e à democracia, dos nacionalismos e da extrema-direita. E é exactamente por isso que lutamos contra a União Europeia.

Por uma outra Europa

Àqueles que, irresponsavelmente, afirmam que o PCP é contra a Europa e que tem uma posição nacionalista, respondemos que se há partido que deu, dá e dará combate decidido às ideologias reaccionárias, esse partido é o PCP.

Se há partido que defende o progresso social e o direito ao desenvolvimento soberano como condições primeiras para conter a extrema-direita e os nacionalismos esse partido é o PCP.

Aos que sem argumentos usam a caricatura e a mentira para dizer que o PCP é contra a Europa, daqui afirmamos, com a autoridade de quase 100 anos de História, que é precisamente o nosso internacionalismo e a nossa solidariedade com todos os povos da Europa que nos leva a concluir que salvar a Europa e unir os seus povos significa derrotar a União Europeia.

Aqui estamos com orgulho na primeira linha da luta por uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos. À União Europeia do grande capital, contrapomos uma Europa livre, de cooperação, de solidariedade, de progresso social, de paz e amizade entre povos e estados soberanos. Uma Europa que será construída pela luta dos trabalhadores e dos povos em cada país e pela cooperação das forças progressistas e de esquerda, com destaque para os comunistas, baseada numa clara posição de ruptura com a União Europeia.

Um caminho e uma luta que assenta na profunda convicção que o actual rumo da Europa não é uma inevitabilidade; que a experiência histórica dos povos nos municia de importantes lições sobre as etapas desta luta; que cada luta, por mais pequena que seja, serve este grande objectivo; e por último, que o real poder de transformação, que tudo pode mudar, reside nos trabalhadores, nos povos e na força da sua unidade.

E será sempre com o povo e os trabalhadores que estaremos, por uma outra Europa, pela democracia e o socialismo.




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